entretanto, é tão largo o tempo entre não sei o quê, essas
acções que se passa a vida toda a fazer, os dias, entre os pequenos
gestos, um passo e outro passo. entretanto o tempo passa, já passou, vai
passar. é largo mas não tanto. e ainda assim, continua essa absurda e vaga
expectativa. perder-se nas ruas, ter prazer nisso, apesar de ou precisamente
por haver tantos elementos confusos. tantas vezes trocar olhares com quem passa
mas sem ter de esmiuçar os inúmeros detalhes dessas trocas. nas ruas não há
nada e está ainda tudo por fazer. ninguém quer saber das dores, se é aqui ou ali. nem dos projectos longos. importam os deslocamentos, a sombra e o sol. a sede, a fome e uma série de cartografias, energéticas talvez, dos
cantos, das esquinas, dos becos, das entradas, saídas, das casas, sim as casas e as portas, janelas,
abertas e fechadas. sentidos proibidos, subidas e descidas, ruas vazias, ruas
cheias. gente em pé, gente sentada. buzinas. burburinho. chuva, vento, obras. chamamentos. nas ruas treinamos a nossa consciência das margens, mais ou menos aquilo a que um filósofo americano chamou fringe consciousness em que se experimenta uma espécie de atenção ao mesmo tempo vazia mas extremamente activa. vazio pleno. há gente que passa, como um vento, e há gente à espera de qualquer coisa, mas a espera que constitui as ruas é uma espera sem coisas, esvaziada do quê. encontram-se quase sempre nas ruas perspectivas risonhas, mas quando a perspectiva é escura é fácil ser tenebrosa, o abismo tão perto. escolho um atalho,
encosto-me num balcão de um café, deixo o resto para depois, enquanto mexo o café só para contemplar os desenhos das espécies de nuvens que nele se formam e confirmo que nas ruas não é a cronologia que reina, que é tudo
o que escapa à cronologia que é do seu domínio e que há um saber profundo de quem se perde pelas ruas: o de que tudo, inevitavelmente, será feito no último momento, esse momento que, tal como as ruas, não
advém de nenhuma espera. talvez seja o que nos vale.
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