quarta-feira, 29 de novembro de 2017

deixam cair, as mãos

minhas mãos semi-abertas, os dedos todos órfãos, mãos doridas cansadas petrificadas na terrível ausência, tão bela imagem do amor, da rosa sem porquê, ajeitaram o filho à anca, afagaram o corpo querido, entre os ritmos perdidos, em minúsculas pregas, das mantas que cobrem, dos lençóis dos dias e das noites, seguraram contra si corpo-a-corpo, as mãos, corpo-a-corpo, por todo o lado se encontraram com eles - os misteriosos ritmos - que assim fizeram da vida um ser manual e das mãos a própria vida. agora que são dores, as mãos, e de seus gestos nada, para além da clausura no alto dos seus pontiagudos nós (perguntam-se, quando foi?), deixam cair o mundo no chão.

sábado, 18 de novembro de 2017


chamou-a pelo meu nome, com os olhos carregados, uma vaga esperança de a reconhecer, talvez, de se reconhecerem no meio dos escombros e dos estilhaços do passado, de todo o passado, do passado de há um segundo atrás, deste momento já a tornar-se passado. de todas as ruínas do mundo. se fosse possível pedia-lhe que não a tratasse assim, pelo nome, que há tantas outras maneiras de se tratarem, de nos tratarmos. mas não é possível. não há saída deste beco de mundo de pressuposições que vem depois do nome. tudo começa por essa enorme e enganadora pressuposição, o nome próprio, o nome pessoal. na sua dimensão literal, não só é uma delicia, como é o que nos salva. seria muito desagradável não nos podermos chamar uns aos outros. e não haveria chamamento se não houvesse nome. nem seriamos esperados em terra. mas há um outro fenómeno agrafado ao nome, uma totalidade de pressupostos que se convencionou associada ao nome. eu sou aquele que se chama assim, dizia alguém: a distância justa entre o nome e eu, entre o chamamento e a identidade forçada. chamar-se alguém pelo nome é coisa rara. como quando os adolescentes apaixonados escrevem sem cessar o nome do seu bem amado até se perder o sinal e ficar apenas a mancha do nome, antes cicatriz natal.