sábado, 9 de março de 2024

o cinema

 

como aquelas explorações nocturnas, por grutas, sonhos, corredores como passagens sem destino, em que reconhecemos as figuras pelo seu ritmo e não pelos seus traços. são figuras que não pretendem representar nada, mas que contêm, em potência, algo de vivo, que se viveu ou poderá viver. acontece uma misteriosa arrumação destas figuras, instauram-se relações que acontecem por magnetismos insondáveis, entre imagens que não se deixam representar por completo, apenas aos pedaços, pedaços de corpos, mãos, rostos semi-conhecidos, misturados com o desconhecido, espécie de figuração monstruosa do real.

sexta-feira, 8 de março de 2024

Abrir para dentro


A atenção ao mundo não vem de dentro. O ensimesmar-se numa mania identitária reside talvez no mal entendido do movimento ser de dentro para fora: olhos que abrem para fora, botões fechados que desabrocham, mãos que se estendem, o corpo que caminha pela estrada afora, a atenção que se activa, despertando de um estado de adormecimento para o mundo que está fora. Regra geral dá-se sempre primazia a um estado anterior interior, a um dentro que se abre, do útero ao mundo. Mas é efectivamente apenas um hábito da razão. Uma imagem a que estamos acostumados. O cinema é naturalmente uma forma privilegiada de romper com essa imagem do dentro-fora, pois nele está-se sempre já no mundo. Fora. O movimento de abertura faz-se de fora para dentro, quer dizer, ao contrário, sem deixar de ser abertura. Num modo especial de ser do aberto, numa imobilização que vem de um adentrar-se desventrando-se.