segunda-feira, 29 de agosto de 2016

morrer, cair, desmaiar.


- Porque subiste por aquela encosta tão dura, se te faltavam as forças?
- Fugia.
- De quê?
- De um peso que me puxa para baixo. Tinha de subir, na hora em que o sol é mais terrível, essa hora em que as pedras e a terra chamam por nós. Sentia-me pó, que por todo o lado pairava e colava.
- Mas o teu corpo fraquejava.
- Não, naquela hora não era mulher. Talvez ao amanhecer, nas terras húmidas, o tivesse sido. Mas naquela hora as pedras falaram-me. Sabes, o perigo não é desmaiar, cair, morrer. É antes numa outra ordem que ele reside: morrer, cair, depois, talvez, desmaiar.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Os mimos guardam um segredo




Uma vez perguntaram-me qual era o significado desta cena, a cena final do filme Blow-up, de Antonioni. Eu não tive, como é óbvio, resposta, como não terei para pergunta semelhante sobre nenhuma cena de nenhum filme. Achei ainda assim que é uma muito boa cena para falar sobre esta coisa das perguntas sobre os significados das coisas. É muito interessante tentar perceber, antes de qualquer debate semiológico, porque é que se anda sempre à procura da metáfora ou do que significa, do que quer dizer isto e aquilo. O que se terá passado para que se faça sentir na nossa cultura artística esta pulsão para "o que quer dizer" ou então, as avessas disto, "a arte que não quer dizer nada" porque é o contrário da arte que quer dizer qualquer coisa. Talvez fosse interessante, antes de mais nada, ver melhor a pergunta. É um lugar comum. Talvez, muitas vezes, quando se pergunta "o que quer dizer" não se esteja imediatamente a determinar esse dado como uma metáfora ou como um significado preciso. Na sua forma comum esta questão é banal e até pode ser interessante, porque a ambiguidade da linguagem o permite. O problema é quando ela se torna uma questão académica, institucional, onde "o que quer dizer" e o "que não quer dizer nada" assumiram proporções monstruosas. O curioso é que a questão "o que quer dizer" afasta-nos sempre do que se está a dizer, seja uma frase ou uma imagem, do que está a acontecer. Neste caso diz-se por gestos, movimentos de câmara, dos corpos e dos olhares. Os mimos talvez reflictam esse desejo de ver o que não está lá. Talvez. Mas isso não está nas imagens de forma absoluta. Os gestos são o que são. Não querem dizer. Podem ser mais do que são.  Neste caso, nesta cena, cria-se um espaço e um corpo completamente diferente, que envolve uma maneira de ver diferente do ver que estava implicado no olhar deste fotógrafo. E que tem a ver com um gesto ao qual se retirou o significado como centro: a bola. Talvez isto queira dizer qualquer coisa, talvez não. Perguntar "o que quer dizer" é sempre um movimento que se afastou do problema que é dado no real, é sempre uma espécie de ansiedade infantil pela resposta. Mas as crianças não perguntam tanto "o que quer dizer" como nós adultos e não perguntam apenas "o que quer dizer". Elas perguntam "e depois, o que se passou a seguir?", elas respondem, "não, não, não é isso", elas dizem o que está nas imagens em vez de verem o que está n"o que quer dizer".