quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O mundo subterrâneo de Bohumil Hrabal


Durante trinta e cinco anos prensei papel velho, e se eu tivesse que optar de novo não quereria fazer outra coisa senão aquilo que fiz nestes trinta e cinco anos. No entanto, uma vez em cada três meses o meu trabalho tornava-se negativo: de repente achava a cave feia, as advertências, as lamentações e os insultos do meu chefe ressoavam nos meus ouvidos e na minha cabeça como num altifalante, a minha cave começava a feder o inferno, o papel velho amontoado desde o fundo da cave até ao tecto do pátio, aquele papel molhado e bolorento, começava a apodrecer de tal modo que até o estrume era bem cheiroso comparado com o papel podre... um lodaçal fermentava e putrefazia-se como pirilampos dum tronco apodrecido na lama de uma fossa imunda. Eu tinha que sair, tinha que fugir da prensa hidráulica, mas já não ia apanhar ar fresco, já não suportava o ar limpo, lá sufocava, tossia e cuspia como se tivesse engolido o fumo de um havano. E enquanto o meu chefe gritava, torcia as mãos e me ameaçava, eu saía da minha cave e caminhava, ao Deus dará, para outras caves e outros subterrâneos. Do que eu gostava mais era visitar os rapazes do aquecimento central, gente com formação universitária, presa ao trabalho como os cães às suas casotas, que aproveitavam as pausas para escrever a história da sua época, uma espécie de estudo sociológico. Foi aqui, nas caves, que aprendi que o quarto estado decrescia: os operários de base tiravam cursos enquanto os quadros universitários trabalhavam como operários. Mas ainda gostava mais de me encontrar com os limpadores de canos de esgotos: aí trabalhavam dois membros da Academia que ao mesmo tempo escreviam um livro sobre as cloacas e os canais que atravessam praga inteira e se cruzam debaixo dela; foi aqui que soube que os excrementos que correm para as estações de tratamento em Podbaba são no domingo completamente diferentes dos da segunda-feira, que cada dia útil tem a sua característica, e que assim se pode construir um gráfico do débito de excrementos; conforme o fluxo de preservativos pode verificar-se em que bairros de Praga se fornica mais e onde menos; mas o que mais me emocionou foi um relatório académico sobre as guerras totais que as ratazanas e os ratos travavam entre si, tal qual como os homens; uma dessas guerras tinha já acabado com a vitória total das ratazanas, mas estas dividiram-se imediatamente em dois grupos, em dois clãs, em duas sociedades organizadas, e justamente agora, em todos os esgotos , em todas as cloacas debaixo de Praga, trava-se uma luta de vida ou de morte, uma grande guerra entre as ratazanas, cujo vencedor reinará sobre todas as imundices e excrementos que correm pelos esgotos até Podbaba; soube através destes limpadores de esgotos com formação universitária que mal esta guerra acabe a força vencedora dividir-se-á dialecticamente em outros dois novos campos, assim como se fraccionam os gases e os metais e tudo quanto é vivo no mundo, para que, através da luta, seja retomado o movimento vital; depois, o desejo de equilibrar os contrários faz atingir progressivamente a harmonia, de modo que o mundo, no seu todo, nunca coxeia.