sábado, 25 de maio de 2024

The Genesis of a Work of Art

On 22 April 1950, a panel discussion took place over several days amongst a group of artists, writers, and curators, moderated by Robert Motherwell, the transcript of which was first published in Modern Artists in America, no. 1, 1950. 

On the third day of the discussion, Motherwell opened with the following remarks before reading aloud questions written by the artists.

Motherwell: "The questions we all have written  down fall into three categories, though they overlap. One is a series of questions that are historical, which Grippe, Ernst, Hare, Reinhardt, Rarr, and Gottlieb ask; the largest number of questions are strictly aesthetic questions, about the process of creation and about the quality of creative works—the questions of Ferber, Hare, Raziotes, Lippold, Smith, Sterne, Hoffman, Riala, Lassaw, and Bourgeois. 

Five people, Pousette-Dart, Lipton, Tomlin, Newman, and Rrooks, have asked an identical question: a question of community— "what is it that binds us together (if there is something that binds us together)? Would you like me to read all the questions, either anonymously or signed?"

The artists unanimously agreed to have them read aloud by Motherwell attributed to the author of the question.

The following is the question proposed by Louise Bourgeois.

The Genesis of Work of Art; or in what circumstance is a work of art born:

1. Definition of the term "genesis"- process of creation. Is it the process of being born or the process of giving birth?

2. What causes the work of art to be born? What is the primary impulse? What makes the artist work? Is it toescape from depression (filling a void)? Is it to record confidence or pleasure? Is it to understand and solve a formal problem and reorder the world?

3. What conditions the birth and growth of the work of art?

  1. (a)  Before the act of creation:
    Sociological aspect (surroundings and milieu). Taine ato theory of the milieu.
    Personal aspect.

  2. (b)  During the process of creation:
    Experience undergone while the work is being done. Resistance of the medium.
    Properties of the medium.


    Louise Bourgeois, DESTRUCTION OF THE FATHER, RECONSTRUCTION OF THE FATHER. WRITINGS AND INTERVIEWS 1923-1997

a memória involuntária segundo Bourgeois

I need my memories. They are my documents. I keep watch over them. They are my privacy and I am intensely jealous of them. Cézanne said,"I am jealous of my little sensations." To reminisce and woolgather is negative. You have to differentiate between memories. Are you going to them or are they coming to you. If you are going to them, you are wasting time. Nostalgia is not productive. If they come to you, they are the seeds for sculpture.

[Louise Bourgeois]

terça-feira, 21 de maio de 2024

alguém de quem gosto muito escreveu sobre os seus autores preferidos, tratando-os pelo nome próprio, numa bela homenagem que nos retira dessa maneira sempre desviada da experiência viva que o mundo académico e o mundo em geral têm de se relacionar com as coisas. ou seja, um autor de um pensamento que lhe diz qualquer coisa não é por ele visto como um autor, em abstracto, de um pensamento abstracto, desligado de uma experiência, mas como um amigo, uma forma viva de amizade. gostava de transpor esta sua proposta para o cinema, os filmes. há com os filmes uma relação que se cria, também, que nos melhores casos se pode conceber como uma amizade. a sua forma de vida, um certo ritmo, uma sonoridade, um grupo de crianças que saem de uma ruína, um vento que se faz visível no movimento das searas, o encontro entre duas mãos, um raio verde, ressoam ou não connosco, permitindo ou não que nos misturemos com esses gestos e acontecimentos. para mim é isto. tudo o resto me é cada vez mais indiferente, confesso.

domingo, 12 de maio de 2024

caixinhas mágicas

A minha avó Eunice tinha um fio de prata, com um pêndulo que era uma moldura fechada muito bonita. Lá dentro estava um minúsculo retrato oval do rosto do meu avô Manuel e quando a minha avó usava este fio, a fotografia do meu avô ficava mesmo perto do seu coração. Quando, pequena, eu abria a portinha da moldura para dizer olá ao meu avô e estar um pouco com ele, como o meu contacto com o corpo da minha avó era muito próximo, tinha a sensação de uma presença, que a minha avó lhe emprestava e que fez com que a minha relação com ele, de alguma maneira, se tenha ligado à vívida presença de um corpo (o da minha avó), apesar de nunca o ter conhecido em vida.

[texto perdido e achado, escrito em 21 de dezembro de 2021]


caixa de música

Num momento difícil de despedida e arrumações de coisas antigas de família, encontrei a caixa de música da minha avó. Quando era pequena passava muito tempo da minha vida em sua casa e costumava dormir na sua cama. Na mesinha de cabeceira do lado esquerdo, costumava estar guardada, dentro de uma pequena porta, para além de outros objectos que faziam igualmente parte das minhas explorações infantis, uma caixa de música de madeira. Era uma dessas caixas comuns, tipo guarda-jóias, fabricada na China. Dentro da caixa, a minha avó tinha guardadas, como que por acaso, pequeninas coisas sem importância, mas que faziam as minhas delícias, como pequenas chaves, fitas de renda ou alfinetes de dama. Havia sempre alguns pequenos objectos que eu não conseguia perceber o que seriam, o que permitia dar asas à imaginação. Tantos mundos possíveis, naquela caixa. Durante certo período da minha vida, antes de dormir, lá ia eu buscar a caixa, verificava se estava tudo no lugar, desarrumava e voltava a arrumar as pequenas coisas e finalmente punha a caixa a tocar, dando corda com a pequena manivela que se encontrava por baixo da caixa. Não sei precisar, mas imagino que aquela tenha sido das primeiras caixas de música que conheci, ou mais provavelmente a primeira. Numa fase da minha vida em que passeava muito por feiras da ladra e lojas de velharias, as caixas de música eram um dos meus fetiches. Comprei uma vez uma bem bonita, antiga, de madeira pintada, mas o cilindro giratório do mecanismo musical avariou e perdi o interesse nela. Mais tarde, quando as minhas filhas nasceram, desenvolvi uma pequena paixão por caixas de música. A primeira que comprei, antes da minha filha nascer, foi uma festa, tinha uma bailarina que dançava quando a caixa abria. Mais tarde, para a outra filha, outra semelhante, mas com outro padrão. Ambas as caixas, feitas de materiais muito mais efémeros do que a madeira, eram, também estas, como que guarda-jóias, com espaço para guardar pequenos objectos. Quando abria cada uma dessas caixas de música, sentia sempre uma emoção muito intensa e como que mágica, vinda de outros mundos. Que eu me lembre, nesses momentos, a caixa de música da minha avó não estava no meu pensamento, talvez até a tivesse esquecido. Mas se a minha memória voluntária não a procurava activamente, a verdade é que, afinal, ela estava involuntariamente guardada em mim. Ao encontrá-la, tantos anos depois, arrumada num armário, o primeiro instinto, imediato, foi ver o que tinha dentro. Não estavam as fitinhas, nem as pequenas chaves, apenas um pequeno gancho de cabelo. Logo depois, apalpei a parte de baixo da caixa, à procura da manivela, para lhe dar corda, mas não estava lá. De repente, o gesto estava interrompido, não o podia continuar. Procurei então algum utensílio que pudesse servir de manivela e encontrei um alicate. Dei a corda e abri a caixa, que começou, tímida e enferrujadamente, a tocar, como quem diz, sim, sou eu. Esta música só eu sei tocar. Reconheci então essa emoção que senti ao abrir todas essas outras caixas de música, réplicas desta caixa de música primordial, que afinal tinha estado sempre comigo. 

um vento na cabeça


um vento na cabeça.

ou uma ventania

uma corrente de ar

ar frio, ar quente

uma brisa, um sopro, uma lufada

ar do mar ou vento siroco.

todavia, um vento na cabeça

que polinize.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

feixe de luz

que coisa é essa que distingue o ângulo preciso desenhado pela mesa de mármore da cozinha, o feixe geométrico de luz que, projectado do parapeito da janela com o canteiro de sardinheiras, atravessa o mármore vergado de veias rosa, como vasos sanguíneos da memória, escritos na pedra, e se prolonga até ao chão, reflectindo-se em múltiplas dimensões, vindo desse passado tão próximo como longínquo, atravessando o presente e prolongando-se naturalmente para fora do tempo. que coisa é essa que distingue esta memória do preciso reflexo, do primeiro reflexo, de todos os reflexos juntos, do feixe de luz do parapeito da janela com o canteiro de sardinheiras que atravessou o mármore da mesa da cozinha, na casa da minha avó. os meus cotovelos pousados em cima da mesa. e o frio daquele mármore e o calor do feixe de luz, colados à minha pele. esta pele, agora.