quinta-feira, 16 de março de 2023

da ambiguidade

a ambiguidade tem pouco interesse como recurso estritamente estilístico. quando tomada nessa acepção torna-se também perigosa. a ambiguidade de um gesto impensado, de uma palavra dita, de uma relação, a ambiguidade entre pessoas, imagens, acontecimentos é algo como um espaçamento, brecha ou racha que não deixa que um sentido único se atarrache ao acontecimento como se fossem um frasco fechado. há uma folga que marca a diferença absoluta entre o acontecimento e o seu sentido. amplificar ou reduzir esta brecha é qualquer coisa de que todas as poéticas se têm ocupado. cada zona de ambiguidade estética tem como seu correlato uma zona de ambiguidade ética. achar que a ambiguidade de uma imagem ou de uma situação é interessante porque podemos ler um acontecimento de muitas formas diferentes leva a pouco mais que uma variação moderna da torre de babel. tomada nessa acepção estaremos sempre no âmago puro e simples da linguagem, com ou sem entendimento, feita de esperanto ou das múltiplas línguas de babel. a ambiguidade está fora da linguagem, mesmo se a linguagem dela depende, definindo-se justamente pela possibilidade de dar conta do contacto com o acontecimento no momento da aproximação existencial ao próprio acontecimento e não a partir da sua leitura.

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