sexta-feira, 10 de março de 2023

cada vez me interessam mais os diálogos entre pessoas. no cinema, na vida, na literatura. um diálogo que ocorre antes de mais em nós, numa necessidade urgente de divergir, dissociar, diferenciar, distanciar. para ver alguma coisa disso que se está a sentir. nos diálogos mais interessantes, mais do que encontros, há tangentes, aproximações, silêncios que contrastam com torrentes de palavras sem significado particular. nas conversas que temos uns com os outros percebemos que existe, para lá de uma troca de informações corriqueiras sobre a vida, sempre, uma necessidade de expressão meio confusa. uma vontade de falar com o outro, em que o outro nem é bem o outro e nós não somos bem nós, porque há este impulso de sair de nós, de nos distanciarmos de nós mesmos, o gesto da interlocução cria sobretudo um lugar fora dos interlocutores. um lugar especial. podemos amar profundamente o nosso interlocutor, dizer-lhe alguma coisa ou querer ouvir alguma coisa. por vezes uma coisa concreta, muitas vezes uma coisa abstrata, um silêncio, vazio. mas as conversas acabam por ser verdadeiramente feitas de tudo menos aquilo que se tem para dizer. as hesitações, as palpitações que se sentem de repente e fazem repentinamente o assunto, pequenas forças que não sabem manipular e nos influenciam, essas sim, conduzem as conversas, tornando-as não só inacabadas como ainda não começaram. estamos sempre para começar a conversa, na fala, mas ainda não na conversa a que aspiramos. balbuciamos por vezes coisas desconexas, ouvimos-nos e experimentamos um começo. parece que é isso que as conversas têm de especial, esse começo.

Sem comentários:

Enviar um comentário