sexta-feira, 11 de agosto de 2017

as ondas perdiam devagar mas decididamente a sua força ao bater na rocha onde se escava a piscina.  a maré descia. observava, como é hábito, a sublime repetição e diferença do mar. um collie preto e branco, saltou  para o lado das rochas, passando à minha frente, mas logo de seguida voltou para perto do seu dono, que não podia saltar para ali com aquela leveza, seguido-o com um  ar terno e dedicado. a sua expressão era de expectativa e preocupação, como se visse muito mais do que eu, que observava à distância.  um olhar esperto, atento aos menores movimentos do homem que se movia calmamente ao mesmo tempo que falava com o cão de um modo muito tranquilo e próximo. aquele cão e aquele homem estavam juntos, pensei, dialogavam, criavam uma atmosfera especial os dois. em baixo, na praia, na orla da piscina, um grupo de crianças brincavam, meio juntas, meio separadas, como costumam fazer as crianças. um garoto de uns oito anos, duas meninas de uns cinco, um bebé com uns dois anos, que ia descendo a pequena colina de areia e que era rebocado para cima, de tempos em tempos, pela mãe, para ficar mais ou menos no mesmo lugar e não começar a rebolar por ali abaixo. o collie desceu para junto das crianças, como se fosse ali o seu lugar e as crianças integraram-no de imediato. procurei observar algum elemento dessa integração, de alguma estranheza, mas nada, era como se estivessem a brincar há tempo indeterminado. faziam um jogo, o collie punha-se agachado, com o focinho entre as patas, imóvel e doce. a criança de oito anos fitava-o, também imóvel, durante ainda alguns segundos, depois voltava ao movimento, corria para a água, brincava com a menina pequena. o collie seguia-o até à água da piscina mas voltava logo de seguida, como se o conduzisse. voltava a agachar-se perante a criança, que tornava a fitar o cão, imóvel. entretanto as meninas corriam de um lado  para o outro, a mãe repetia  mais uma vez o gesto de rebocar o bebé para a zona plana da areia. as meninas pequenas brincavam criando com o seu movimento uma espécie de desenho circular, uma dentro de água e e a outra fora, mas com uma sucessão de gestos que pareciam geometricamente contrapor-se uma à outra, uma entrando ocasionalmente em relação com o bebé, fora da àgua, a outra entrando de vez em quando em relação com a criança de oito anos, quando ela entrava na água. o collie e o garoto repetiram seguramente mais de dez vezes o seu jogo, até que o dono se afastou, o cão o seguiu e a minha atenção por sua vez seguiu o collie, até o ver desaparecer na curva das escadas. uma coreografia perfeita. de quem?
alguma coisa forte ficava, ficou, fica, depois deste episódio vivido. uma intensidade que parece ter a ver com o movimento daqueles gestos entre as crianças e o cão, cuja repetição ao mesmo tempo síncrona e assíncrona, envolvia, envolveu, envolve uma sensação contemplativa, um pensamento vivo, uma intensidade, um ritmo.


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