terça-feira, 18 de outubro de 2016

ἄπνοια


Poesia: é qualquer coisa que pode significar uma mudança na respiração. Quem sabe se a poesia não faz o caminho – também o caminho da arte – com vista a uma tal mudança? talvez ela consiga, já que o estranho, ou seja o abismo e a cabeça de Medusa, o abismo e os autómatos, parecem ir numa e na mesma direcção – talvez ela consiga então aí distinguir entre estranheza e estranheza, talvez a cabeça de Medusa se atrofie precisamente aí, talvez precisamente aí fracassem os autómatos – neste breve e único momento.
(...)
(O poema) mantém viva a memória das suas datas, mas – fala. É claro que fala sempre e apenas em causa própria, a mais própria que se possa imaginar. Mas penso (...) que desde sempre uma das esperanças do poema é precisamente a de, deste modo, falar também em causa alheia – não, esta palavra já a não posso usar agora –, é a de, deste modo, falar em nome de um Outro, quem sabe se em nome de um radicalmente Outro. (...) O poema detém-se ou alimenta esperanças – uma palavra que temos de relacionar com a criatura – quando se encontra com tais pensamentos. Ninguém pode dizer quanto tempo durará ainda esta pausa na respiração – o alimentar esperanças e o pensamento. O reino do que é “veloz”, que sempre foi o do “lá fora”, ganhou mais velocidade. O poema sabe isso, mas mantém a sua rota em direcção àquele “Outro”.

Paul Celan, “O Meridiano”. In: Arte Poética. Edição e tradução de João Barrento. Lisboa, Livros Cotovia, 1996

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