quarta-feira, 12 de outubro de 2016

no meio das vertigens


Na descida da falésia até ao mar, observo duas pessoas cruzarem-se numa escadaria a pique. Uma desce, a outra sobe. Não se conhecem. No cruzamento trocam uma ou duas palavras, mas sobretudo a postura dos seus corpos e talvez um certo ritmo cardíaco permite uma estranha forma de reconhecimento, involuntário mas atento, e uma certa comunidade, como se há muito se conhecessem. Seguem caminho. Desço as escadas e cruzo-me com a  pessoa que sobe. Pergunto-lhe qualquer coisa objectiva. De olhos fixos na pedra, mas esforçando-se por ser cordial, diz-me que não sabe nada sobre o que eu lhe pergunto, que não pode saber. Só vê a escada, procurando agarrar-se como pode a um terreno extremamente escorregadio. Ainda tenta olhar para mim, mas é tomada por um grande desequilíbrio. Só depois da frustração de não obter a resposta desejada percebo que ela sofre de vertigens. Percebo então que naquele cruzamento que observei entre os dois se deu um encontro no meio das vertigens que ambos sentiam e presumo que, por um momento, tenham sentido um breve conforto naquela escadaria.

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