quarta-feira, 12 de outubro de 2016

traços


andam sempre por aí, pelos corpos, entre os corpos. desde pequena que me fascinam: tiques, ou quase tiques, expressões corporais e faciais, esgares, esses gestos únicos e ao mesmo tempo banais. o gesto de pôr a carteira atrás do bolso das calças, o gesto de apanhar o cabelo. atender o telefone, abrir a porta de casa. posturas, maneirismos. uma certa maneira de fumar, outra de dormir, de esperar na fila do supermercado, de pegar na chávena do café, de agarrar no livro, de o sublinhar, de se limpar com a toalha depois do banho, de subir escadas, de soletrar em voz baixa, de fazer sinal para pedir a conta ao senhor do café, de colocar a mão no volante do carro, de deitar as palavras para fora da boca, de cantarolar. os traços desenhados no rosto pelo choro que vem, por um sorriso. o gesto de se desviar de um assunto, de se despedir. e não falo dos que não se vêem. serão infinitos? são pequeninos, minúsculos, seres liliputianos. mas uma meia dúzia deles, nem tanto, pode ocupar uma vida inteira e, nem que durem pouco mais que um ápice, durarão para sempre. acontecem entre pessoas, mas também entre as pessoas  e as coisas. na verdade há quase sempre coisas entre as pessoas e há sempre momentos em que nos tornamos coisas.
os traços ficam, transformam-se, alguns misturam-se uns aos outros, intensificam-se com essas misturas. outros parecem desaparecer e por vezes reaparecer modificados, estranhos. traços belos e traços terríveis, traços de uma vasta paleta de cores, ou não, serão talvez brancos, diáfanos: traços impessoais.

o terror: o desaparecimento dos traços. o negro absoluto.



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