terça-feira, 9 de janeiro de 2018

signos e contágios. há, relativamente a um texto, a um filme, a uma pessoa com que nos encontramos, e isto a um nível muito superficial, quer dizer, à flor da pele, dois tipos muito diferentes de sensibilidade e dois grandes tipos de aliança. uma aliança que é feita imediatamente com os sinais de pertença, territoriais, autorais, que pedem  uma profundidade imediata, à qual se aliar. palavras que designam conceitos, mundos reconhecíveis. imagens feitas para localizar, representar e escalonar. e pode acontecer, a um nível muito subtil, até erótico, de detalhe, mas inteiramente  mundano. a leitura destes signos é inevitável, faz parte de uma espécie de mecanismo de sedução feito de estímulos e respostas rápidas: uma palavra, uma expressão, maneiras de dizer, de usar, que nos permitem reconhecer os traços. é um mecanismo que encontramos na caça e na experiência amorosa. uma maneira de usar as palavras, de construir imagens, uma maneira de usar os objectos, de falar. reconhecer paisagens e criar, logo a partir de primeiríssimas impressões, uma relação de conforto com o outro - conforto que advém da promessa da posse. do texto, do filme, de alguém. há aqui uma espécie de efeito de contágio, pois a compulsão, se não houver nenhum controlo crítico, como clínico, é a de automaticamente se criar, através de um minucioso estudo, uma cartografia de acesso a esse outro mundo que o transforme num mundo nosso, como d. juan procurava fazer com as suas presas, possuindo-as. em todo o caso, o detalhe e a micrologia envolvidos no processo de sedução alimentam necessariamente uma macroestrutura qualquer. mas noutro nível, o contágio acontece nas margens e nos limiares desse núcleo aglutinador da posse, num processo mais lento, de descoberta involuntária e ao mesmo tempo de perda do objecto, do sujeito, e da possibilidade de reconhecimento - processo de luto, por isso - marcado por um profundo esquecimento do tempo e por uma meditação sem objecto. intermitências e suspensões do tempo e do espaço, avanços e recuos, no seio de limiares entre mundos, efeitos de brumas, produzidos no meio da feliz impossibilidade de possuir seja o que for, de reconhecer o que for, e isto porque não se trata de nenhum contágio de alguma instância por outra, destes termos e da procura do elo de ligação, mas do próprio acontecimento do contágio, da aliança, da conexão em si mesma: choque, signo, encontro produtor de outra coisa, irreconhecível e inquietante.

(9/01/2018) 

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