noite de 31 de dezembro. depois do jantar no indiano do costume, não havia rumo definido a seguir. despediu-se, um beijo. votos de
bom ano. pôs-se a caminho. na rua, a impressão de humidade na zona púbica só
podia ser uma vaga sensação. as lojas já estavam todas fechadas e não precisava
delas para nada. pensava no frenesim do ano novo. há poucos dias tinha sido o
natalício. agora este, que apesar de tudo é um pouco mais tranquilo, talvez até um
antídoto para o outro. as ruas desertificavam-se. pareciam-se cada vez mais com
as daquele conto do borges sobre a eternidade. devia ser
sangue, sentia. a lua escondeu-se atrás de uma nuvem, para aparecer logo
depois, esplendorosa, quase por inteiro. amanhã seria o perigeu lunar. pe ri
geu. o dia do ano em que a lua está mais próxima de nós. lembrou-se das
palavras da sua mãe sobre o impacto da lua nos doentes mentais e como os
hospitais psiquiátricos tendiam a ficar mais confusos nestes dias. lembrou-se de
uma lua impossível de tão próxima numa ilha, nos seus tempos de gravidez, esse plano de fronteira, e daquela maneira ébria de
sentir os elementos. terra, água, temperaturas, chuva, brisas, ventanias. a
humidade era cada vez maior. olhou em volta, tinha de haver um café
aberto. não estava nada à espera, são estes desregramentos
hormonais. ou talvez tenha sido a lua, quer dizer, o perigeu lunar. fez de
repente um gesto falhado com o braço que a deixou exausta. era o gesto de chamar o táxi que
de repente passara de raspão pela estrada, um gesto instintivo e desesperado,
sem princípio nem fim, um farrapo de gesto, um delírio. o gesto surgira daquele
hábito que tinha de, naqueles pequenos momentos cruciais, meio equívocos de tão
banais, lhe parecer sempre uma boa ideia apanhar um táxi. sim, já várias vezes
durante a vida os táxis lhe tinham aparecido como a versão urbana daqueles
seres intermediários dos contos tradicionais, que vêm dar uma ajudinha,
mensageiros, ajudantes. talvez então a menstruação, as regras vermelhas, grande
sinal do ciclo biológico da mulher, tivessem sido contagiadas pelo tal perigeu,
anual, esse pequeno sinal dos ciclos cósmicos. como as mulheres se contagiam
umas às outras nos seus ritmos e ciclos e como as claras de ovos que se
escangalham se uma mulher menstruada as bater. será tudo uma questão de
contágio? enfim, mas quando se rompem os ciclos naturais, já se estão, no
momento em que se desfazem, a criar outros novos... táxi! finalmente, um anjo.
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