terça-feira, 2 de janeiro de 2018


noite de 31 de dezembro. depois do jantar no indiano do costume, não havia rumo definido a seguir. despediu-se, um beijo. votos de bom ano. pôs-se a caminho. na rua, a impressão de humidade na zona púbica só podia ser uma vaga sensação. as lojas já estavam todas fechadas e não precisava delas para nada. pensava no frenesim do ano novo. há poucos dias tinha sido o natalício. agora este, que apesar de tudo é um pouco mais tranquilo, talvez até um antídoto para o outro. as ruas desertificavam-se. pareciam-se cada vez mais com as daquele conto do borges sobre a eternidade. devia ser sangue, sentia. a lua escondeu-se atrás de uma nuvem, para aparecer logo depois, esplendorosa, quase por inteiro. amanhã seria o perigeu lunar. pe ri geu. o dia do ano em que a lua está mais próxima de nós. lembrou-se das palavras da sua mãe sobre o impacto da lua nos doentes mentais e como os hospitais psiquiátricos tendiam a ficar mais confusos nestes dias. lembrou-se de uma lua impossível de tão próxima numa ilha, nos seus tempos de gravidez, esse plano de fronteira, e daquela maneira ébria de sentir os elementos. terra, água, temperaturas, chuva, brisas, ventanias. a humidade era cada vez maior. olhou em volta, tinha de haver um café aberto. não estava nada à espera, são estes desregramentos hormonais. ou talvez tenha sido a lua, quer dizer, o perigeu lunar. fez de repente um gesto falhado com o braço que a deixou exausta. era o gesto de chamar o táxi que de repente passara de raspão pela estrada, um gesto instintivo e desesperado, sem princípio nem fim, um farrapo de gesto, um delírio. o gesto surgira daquele hábito que tinha de, naqueles pequenos momentos cruciais, meio equívocos de tão banais, lhe parecer sempre uma boa ideia apanhar um táxi. sim, já várias vezes durante a vida os táxis lhe tinham aparecido como a versão urbana daqueles seres intermediários dos contos tradicionais, que vêm dar uma ajudinha, mensageiros, ajudantes. talvez então a menstruação, as regras vermelhas, grande sinal do ciclo biológico da mulher, tivessem sido contagiadas pelo tal perigeu, anual, esse pequeno sinal dos ciclos cósmicos. como as mulheres se contagiam umas às outras nos seus ritmos e ciclos e como as claras de ovos que se escangalham se uma mulher menstruada as bater. será tudo uma questão de contágio? enfim, mas quando se rompem os ciclos naturais, já se estão, no momento em que se desfazem, a criar outros novos... táxi! finalmente, um anjo.

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