disse-lhe: deixa-me com as coisas fundadas no silêncio, parafraseando um verso da sophia. repetia as palavras, com o olhar cheio de uma espécie de querer intrínseco, um querer sem objecto. deixa-me, não porque sobre aquilo de que não se pode falar se deva ficar em silêncio, mas só por querer, sem porquê. querer o grito desprovido do som, a abertura informe, oculta. que palavras? não, não quero as palavras para concertar as coisas
que estão a precisar de concerto, nem para descrever a fatalidade da existência.
estou farta da caixa de ferramentas sempre à mão e pronta para mais um
arranjo.
disse-lhe: façamos o nosso discurso cantado, o nosso canto habitual, enquanto formos capazes. cantas tu o teu canto e eu tentarei responder com o meu, no mesmo tom, de manhã bem cedo, que já nos tropeços pelos vestígios da penumbra da noite se fazem sentir as palavras do nosso cantar sincronizado. mas logo que venha a oportunidade fujo. do canto, da toca, da rima e da tonalidade. há de haver um erro, uma falha, engasgo-me, já sabes, e lá se vai a cantiga, perco as chaves da casa, as horas, hei de esquecer alguma coisa crucial, algum nome que estará na ponta da língua (e passava-lhe pela cabeça o terror de que fossem os seus próprios nomes próprios), instaurando mais uma inevitável (pequena?) ruptura. sim, vejo a desilusão a crescer-te nas pequeninas rugas que torneiam os teus olhos, vejo a profunda incompreensão que se segue às minhas fugas ganhar rosto. dirás que servem apenas uma vontade adolescente de trilhar por trilhar, falarás do autómato espiritual. disse-lhe: deixa-me com essas coisas que não se cantam, com as coisas que só se podem dizer gritando, num grito qualquer infinitivo e impessoal.
disse-lhe: façamos o nosso discurso cantado, o nosso canto habitual, enquanto formos capazes. cantas tu o teu canto e eu tentarei responder com o meu, no mesmo tom, de manhã bem cedo, que já nos tropeços pelos vestígios da penumbra da noite se fazem sentir as palavras do nosso cantar sincronizado. mas logo que venha a oportunidade fujo. do canto, da toca, da rima e da tonalidade. há de haver um erro, uma falha, engasgo-me, já sabes, e lá se vai a cantiga, perco as chaves da casa, as horas, hei de esquecer alguma coisa crucial, algum nome que estará na ponta da língua (e passava-lhe pela cabeça o terror de que fossem os seus próprios nomes próprios), instaurando mais uma inevitável (pequena?) ruptura. sim, vejo a desilusão a crescer-te nas pequeninas rugas que torneiam os teus olhos, vejo a profunda incompreensão que se segue às minhas fugas ganhar rosto. dirás que servem apenas uma vontade adolescente de trilhar por trilhar, falarás do autómato espiritual. disse-lhe: deixa-me com essas coisas que não se cantam, com as coisas que só se podem dizer gritando, num grito qualquer infinitivo e impessoal.
havia de correr pela rua abaixo e a rua desceria tanto que não seria já eu a descê-la mas seria como se a rua corresse sozinha. e quando a descesse até ao fim, tu estarias lá, na paragem do autocarro, no café, ou em qualquer outro lugar, com os teus passos, e então eu esquecia-me da casa e embrenhava-me pela noite dentro, a visão cada vez mais animal, atenta a luzes nunca antes vislumbradas e a outras cores, o cheiro aguçado, de vez em quando talvez me desse conta de que cantava, baixinho, como contraponto ao instinto cada vez mais próximo dos cães e dos gatos que por ali vadiavam, como eu. cada esquina e cada ruela eram alternativas, outros mundos, outras maneiras de ver. sentia-me segura, suspensa pela amplitude crescente, a penumbra ampliava o campo de visão, abria o espaço, dentro e fora de mim e a brisa levava-me com ela e quando o vento era mais forte era eu mais forte e quando era quente eu era quente. e então via-te de novo, passeavas com esses teus passos do costume e eu havia de me aproximar de ti e dos teus passos, do seu ritmo que me tomaria outra vez. sempre os mesmos passos.
e disse-lhe: que procuras na repetição dos mesmos passos? evitar a queda? ou viver na ilusão de que conhecerás isso que te fará tropeçar e cair?
e disse-lhe: que procuras na repetição dos mesmos passos? evitar a queda? ou viver na ilusão de que conhecerás isso que te fará tropeçar e cair?
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