sábado, 2 de abril de 2016

nuance

Penso no bando de nuances de sensações que imagino como aqueles bandos de Michaux ou de pássaros ou de cardumes em movimento que, numa intuição tão vaga quanto precisa de perigo iminente, ondulam num movimento puro de afectos expresso por gradações, nuances.  Aproximam-se, tocam-se, passam umas nas outras para de imediato se distinguirem intensa, subtilmente. Tudo se quer encontrar com tudo, numa emergência contínua de irregularidades, anomalias, disfunções, de bruscas interrupções sufocantes e retomadas de ar puro. E neste jogo, por vezes um combate violento, para além das separações e uniões mais ou menos brutais, há uma série de padrões que se repetem mas nunca iguais, pois cada gesto sendo vivo, quente, rítmico não conhece a repetição mecânica e a forma que cria é sempre um anseio de forma. Que difícil é hoje encontrar a nuance. Tudo insuportavelmente peneirado, abarrotado, espartilhado. Encontra-se fora, seguramente, mas não basta sair. É por isso que o céu e os movimentos das nuvens ou as ínfimas percepções do enorme mar (e talvez o deserto), algumas músicas e algumas imagens, têm esse efeito de um inquietante apaziguamento: como que assegurando-nos que a nuance insiste, persiste. Mas é preciso tempo vivo (este segundo, esta hora) para captá-la na espuma indiferenciada dos dias.

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