segunda-feira, 15 de abril de 2024

pensamentos soltos

 

da interrupção

para brecht, a arte da interrupção permitia a descontextualização, a retirada das coisas dos lugares habituais, abrindo uma brecha para o pensamento poder acontecer, em vez de permanecer adormecido, embalado pela continuidade da acção. claro que a arte da interrupção, quando brecht escreveu e pensou sobre ela, tem todo um contexto, um aparato tecnológico de uma época, que fazia expandir um certo tipo de percepção, com o cinema, a rádio... a interrupção, a possibilidade do corte, montagem e desmontagem, estavam em cima da mesa, mas o paradigma (perceptivo) ainda era o da continuidade. hoje, continuo a achar que a interrupção é algo não só interessante, mas fundamental, poética e politicamente, mas o paradigma da percepção já não é o da continuidade. é como se a própria ideia de continuidade estivesse algo, não direi obsoleta, mas fosse, simplesmente, desconhecida. já não se sabe o que é continuar.  pensar sobre isto.


da hora da refeição

há uns tempos encontrei um amiguinho que andou comigo na preparatória. nessa altura não lhe ligava nenhuma. então, anos depois, numa noite em que tomámos um copo, falou-me de uma sua teoria sobre o modo como comemos. que o mais importante era comermos quando tínhamos fome. que essa coisa das refeições era uma invenção castradora e sem sentido, que não havia nada de mais doente do que comer sem vontade. que em sua casa, quando eram pequenos, cada um comia quando tinha fome. e que sua relação com a comida era assim. sentia que era menos um peso na existência, quando olhava para a importância que as pessoas davam às horas da refeição. sentia-se mesmo privilegiado por ter tido uma educação que o poupou deste fardo. na altura, apesar de achar algo sedutora, esta maneira mais animal de conceber o alimento e o acto de comer,  fiquei meio perplexa com este grau de liberdade. na  minha casa não havia nenhuma ditadura da refeição mas, sempre que estávamos todos em casa, sentávamo-nos juntos para comer. era, de certa forma, um ritual. ultimamente tenho-me lembrado várias vezes desta conversa com o meu amigo. 

da língua portuguesa 


antes, quando ouvia alguém falar um português inglesado, era uma graça. hoje, quando oiço alguém falar um português não inglesado, é uma graça.

Sem comentários:

Enviar um comentário