As crianças são mágicas, ou
acreditam em poderes mágicos. Mas o confronto com a descrença generalizada do
adulto é, para elas, avassalador. Diz Walter Benjamin, que a primeira experiência que
a criança tem do mundo não é a de que “os adultos são mais fortes, mas a sua
incapacidade de magia”. Há um momento em que as crianças põem à prova o adulto:
querem saber o que lhes espera, talvez, mas sobretudo, têm de saber como se
relacionar com esse ser que lhes é ao mesmo tempo tão próximo e tão distante, o
adulto, que não acredita na magia. Então, ela faz-lhe todo o tipo de perguntas: sobre deus ou os deuses, sobre as fadas, as
bruxas, os duendes da floresta, os poderes da natureza. As crianças têm
poderes: o poder do fogo, do gelo, do mar ou dos ventos, o poder de abrir
portas com um “abre-te-sésamo” ou com chaves mágicas – é assim que elas se
relacionam entre si, nas suas brincadeiras, e ultrapassam o adulto com a
velocidade da luz. Transformam-se facilmente noutros, são plásticas e
moldáveis. Fazem corpo com aquilo que lhes é estranho, num espaço de encontro,
retomando e desenvolvendo o gesto que as coisas e os seres lhe oferecem. Trocam
de papéis, saltam entre universos heterogéneos. Têm os elementos primordiais à
flor da pele e sabem usar o gesto fundador da linguagem das palavras: o nome.
Quando as crianças já dominam relativamente a sua língua materna, vem a fase
das línguas secretas, em que a língua é virada ao contrário, desmembrada,
misturada com outras línguas, sons secretos da natureza, códigos gestuais e
caretas, e todo o tipo de posturas animais, vegetais ou monstruosas. As línguas
secretas são uma espécie de floresta encantada em que tudo está materialmente
ligado entre si: com os seus esconderijos verbais, os seus rios que desaguam em
lagos, criando novos sentidos, palavras-montanha, com as suas nascentes na
rocha, de onde correm, livres como o fluxo das cascatas, frases e mais frases
feitas de sentidos por vir. O gesto da criança, quando inventa uma língua
secreta, é um gesto de libertação do nome.
Diz-nos Giorgio Agamben, a partir de Kafka, que a essência da
magia não cria, mas chama e que se chamarmos a vida pelo nome
justo, ela vem (e é nisto que consiste a felicidade). Nas antigas tradições de
cabalistas e necromantes a magia é, essencialmente, uma ciência dos nomes
secretos, em que cada coisa ou ser tem, para além do seu nome manifesto, um
nome secreto ou um arquinome, ao qual não pode deixar de responder. O
necromante é aquele que garante para si o domínio sobre as potências do
espírito, a partir da sua decifração de nomes diabólicos ou espirituais. Mas há
uma outra tradição cabalista, “em que o nome secreto não é tanto a chave da
sujeição da coisa à palavra do mago, quanto, sobretudo, o monograma que
sanciona a sua libertação com relação à linguagem”. Quando o nome secreto – que
era o nome a partir do qual a criatura tinha sido chamada do Éden – foi por ela
pronunciado, os nomes manifestos e toda a Babel dos nomes acabou em pedaços. É
por esta razão que o nome secreto chama a vida e a felicidade, pois ele é esse
gesto com o qual a criatura é restituída ao inexprimível. Neste sentido, a
magia dos nomes secretos, não é tanto o conhecimento dos nomes, mas o desvio em
relação ao nome. Quando as crianças inventam uma língua secreta, quando elas
conseguem desfazer-se do nome que lhes foi imposto, inventando um novo nome,
elas ostentam, como refere Agamben, entre as mãos, o passaporte que as conduz à
felicidade: “livre do nome, bem aventurada, a criatura bate à porta da aldeia
dos magos, onde só se fala por gestos”.
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