trago tantas pedras e conchas da praia. guardo-as em taças.
uma delas, que comprei há muitos anos numa feira da ladra, com uns
desenhos verdes, que parecem algas, numa cerâmica amarelada pelo tempo,
partiu-se pouco tempo depois de a comprar. com a colagem dos fragmentos e suas
falhas, ainda mais apta se tornou a guardar as conchas e as pedras, que precisam
de alguma aragem. tenho várias taças e chávenas que, depois de se partirem, adquiriram
este estatuto quase religioso, para lá do uso quotidiano que um dia tiveram, do
dar de beber ou de comer. as pedras e as conchas, no entanto, amontoam-se e talvez se sintam deslocadas. há
uns poucos anos, numa das minhas descidas às profundezas do mar, que é isso
que sinto quando colho pedras e conchas, prometi a um rochedo que as
devolveria, quando já não precisasse delas. retirava-as do seu contexto
natural, prolongava-lhes até um pouco as suas belas formas, enquanto as
guardasse numa das minhas taças refeitas de pedaços, mas voltaria a deixá-las
no mar. e numa manhã de chuva mas sem chuva e tão branca como fria, achei que era tempo de voltarem à praia, para que pudessem desfazer-se em areia com a implacável erosão
marítima, seu destino e natureza. retirei uma a uma, cada pedra e cada concha,
da minha taça de algas verdes feita de pedaços, que ficou estranhamente esvaziada.
por momentos achei que mais valia levá-la também para a praia do que deixá-la sem
as suas conchas e pedras. mas não era lá o seu lugar e deixei-a ficar, em cima
da mesa, assim com as suas rachas do lado de dentro bem visíveis e expostas
ao vazio.
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