But after life. The slow pulling down of thick green stalks so that the
cup of the flower, as it turns over, deluges one with purple and red
light. Why, after all, should one not be born there as one is born here,
helpless, speechless, unable to focus one’s eyesight, groping at the
roots of the grass, at the toes of the Giants? As for saying which are
trees, and which are men and women, or whether there are such things,
that one won’t be in a condition to do for fifty years or so. There will
be nothing but spaces of light and dark, intersected by thick stalks,
and rather higher up perhaps, rose-shaped blots of an indistinct
colour—dim pinks and blues—which will, as time goes on, become more
definite, become—I don’t know what....
(...)
All the time I’m dressing up the figure of myself in my own mind,
lovingly, stealthily, not openly adoring it, for if I did that, I should
catch myself out, and stretch my hand at once for a book in
self-protection. Indeed, it is curious how instinctively one protects
the image of oneself from idolatry or any other handling that could make
it ridiculous, or too unlike the original to be believed in any longer.
Or is it not so very curious after all? It is a matter of great
importance. Suppose the looking glass smashes, the image disappears, and
the romantic figure with the green of forest depths all about it is
there no longer, but only that shell of a person which is seen by other
people—what an airless, shallow, bald, prominent world it becomes! A
world not to be lived in. As we face each other in omnibuses and
underground railways we are looking into the mirror that accounts for
the vagueness, the gleam of glassiness, in our eyes. And the novelists
in future will realize more and more the importance of these
reflections, for of course there is not one reflection but an almost
infinite number; those are the depths they will explore, those the
phantoms they will pursue, leaving the description of reality more and
more out of their stories, taking a knowledge of it for granted, as the
Greeks did and Shakespeare perhaps—but these generalizations are very
worthless. The military sound of the word is enough. It recalls leading
articles, cabinet ministers—a whole class of things indeed which as a
child one thought the thing itself, the standard thing, the real thing,
from which one could not depart save at the risk of nameless damnation.
Mas
a vida. A lenta derrocada dos grandes caules verdes de tal modo que a
flor acaba por se virar, ao cair, inundando-nos com uma luz de púrpura e
vermelho. Porque é que, bem vistas as coisas, não nascemos ali, em vez
de aqui, desamparados, incapazes de ajustarmos como deve ser a luz do
olhar, rastejando na erva entre as raízes, entre os calcanhares dos
gigantes? Porque dizer o que são as árvores e o que são e o que são
mulheres, ou sequer o que é haver coisas como árvores, homens
e mulheres, não será algo que estejamos em condições de fazer nos
próximos cinquenta anos. Não há nada por vezes senão espaços de luz e de
escuridão, intersectados por grandes hastes densas e talvez bastante
mais acima manchas em forma de rosa – rosa-pálido ou azul-pálido – de
cor indecisa, e tudo isso, à medida que o tempo passa, se vai tornando
mais definido e se transforma – em não se pode saber o quê.
(...)
A todo o momento vou construindo uma imagem de mim própria, apaixonadamente furtiva, que não posso adorar directamente, porque se o fizesse cairia imediatamente em mim e deitaria a mão a um livro num gesto de autodefesa. É curioso, com efeito, como uma pessoa protege a sua própria imagem de toda a idolatria ou de qualquer outro sentimento que a possa tornar ridícula ou demasiado diferente do original para ser verosímil. Ou talvez não seja assim tão curioso afinal de contas? É uma questão da mais alta importância. Imagine-se que o espelho se partia, a imagem desaparece e a figura romântica rodeada pela floresta profunda e verde desfaz-se; fica apenas essa concha exterior da pessoa que os outros habitualmente vêem - que insípido, oco, inútil e pesado se tornaria o mundo! Um mundo onde não seria possível viver. Quando no autocarro ou sobre os carris do metropolitano encaramos os outros, estamos ao mesmo tempo a olhar para o espelho; é por isso que se torna possível vermos então como os nossos olhos são vagos, vítreos. E os romancistas do futuro darão uma importância crescente a estes reflexos, porque não há apenas um reflexo, mas um número quase infinito deste género de refracções : aí estão as profundezas que os romancistas do futuro terão que explorar; esses os fantasmas que terão de perseguir, deixando cada vez mais de lado as descrições da realidade, pressupondo-a já suficientemente conhecida pelo leitor, como fizeram também os Gregos e Shakespeare, talvez - mas estas generalizações começam a parecer-me inúteis. As ressonâncias militares da palavra "generalização" são evidentes. Lembra-nos uma série de dispositivos destinados a conduzir as pessoas, gabinetes de ministros - toda uma quantidade de coisas que em crianças pensámos serem as mais importantes, os modelos de tudo o que existe, e de que não poderíamos afastar-nos sem incorremos no risco da condenação eterna.
Virginia Woolf, "The Mark on the Wall" [1921], A Haunted House - The Complete Shorter Fiction, Vintage 2003. Tradução portuguesa: "A Marca na Parede", A Casa Assombrada, Tradução de Miguel Serras Pereira, Relógio d'Água, 1984