domingo, 2 de fevereiro de 2025

impessoal

faço um elogio do impessoal na linguagem e um apelo poético e filosófico ao uso correcto da nossa nossa língua, quando esse uso nos libertar em vez de aprisionar.


um elogio do singular impessoal e da potência do neutro que daí vem. 

a linguagem é por natureza cruel: obriga a falar quando era para calar,  obriga um sujeito a definir-se quando era para se indefinir. mas ela é feita justamente também dos seus buracos, das zonas sem nome e sem dono, dos seus baldios livres de cultura. sem buracos, sem aberturas para o vazio, a linguagem sufoca e sufoca-nos. quem é este nós que a linguagem sufoca? é toda a gente e ninguém, é o impessoal urgente do qual toda e qualquer conjugação dos pronomes pode brotar: eu, tu ele, ela e eles e elas e também elu e elus e nós e vós. a urgência do elu e do elus já vem do sufoco da linguagem. e é por isso que devemos cuidar para que as formas impessoais, essas livres de toda a pessoa, não desapareçam da nossa língua. 


há verbos, acções, agires, como o "haver", que são impessoais e livres de sujeito, eles são assim e têm esse direito a existir impessoalmente e fazem por isso respirar a língua. não é só gramática, é uma questão política, o direito ao impessoal numa língua. assim,  nunca "começaram a haver", mas "começou a haver" e nunca "houveram", mas "houve", porque haver é como chover, uma potência, uma respiração, e conjugá-lo com pessoas é retirar-lhe o direito a ser livre.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

casa

Quando houver uma casa onde possas chegar, entrar a transpirar e a precisar de água e de descanso, quando numa casa simples possam desaguar livremente os pensamentos fluidos e dispersos e as sensações confusas do rio da tua consciência, no ar, à volta da cama, dos livros, na cozinha, enquanto lavas a loiça, entre os gestos desatentos dos teus amores e no colo dos teus gatos, fica por lá, seja lá onde for, até talvez nem seja uma casa assim, talvez uma outra casa, uma casa qualquer.

domingo, 8 de setembro de 2024


A pintura ensina a dançar.

A sala do museu estava cheia. Muitos tinham phones nos ouvidos e olhavam para os quadros, à medida que ouviam o audio guia, outros, acompanhados, trocavam impressões discretamente, mas não esquecerei uma cena belíssima. Ao lado destes quadros, um homem e uma mulher passaram de uma sala à outra a dançar. Ela ensinava-lhe como dar os passos e ele cumpria, compenetrado. Abraçados e a dançar, inspirados pelas pinturas do Renoir, passaram ao de leve pelas pessoas, sem nunca pararem a sua dança.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

pensar através de histórias

Now I wanted to show that whatever the word story means in the story which I told you, the fact of thinking in terms of stories does not isolate human beings as something separate from the starfish and the sea anemones, the coconut palms and the primroses. Rather, if the world be connected, if I am at all fundamentally right in what I am saying, then thinking in terms of stories must be shared by all mind or minds, whether ours or those of redwood forests and sea anemones.” 


Gregory Bateson 

sábado, 1 de junho de 2024

um princípio do chikung que o meu professor disse numa aula, que me inspira e comove particularmente:  "as articulações são as portas por onde circula a energia vital e existe uma inteligência nas articulações, existe uma capacidade de adaptação das articulações. a forma como eu coordeno as minhas articulações é a forma como eu coordeno a vida e se as articulações estão mais disponíveis, então a vida está mais disponível..."

este princípio, para mim, aplica-se ao corpo e em geral, a toda a obra de arte, ao filme, a toda a relação humana ou entre humanos e não humanos, ou seja a todo o composto ( de sensações, diriam Deleuze e Guattari) vivo.

sábado, 25 de maio de 2024

The Genesis of a Work of Art

On 22 April 1950, a panel discussion took place over several days amongst a group of artists, writers, and curators, moderated by Robert Motherwell, the transcript of which was first published in Modern Artists in America, no. 1, 1950. 

On the third day of the discussion, Motherwell opened with the following remarks before reading aloud questions written by the artists.

Motherwell: "The questions we all have written  down fall into three categories, though they overlap. One is a series of questions that are historical, which Grippe, Ernst, Hare, Reinhardt, Rarr, and Gottlieb ask; the largest number of questions are strictly aesthetic questions, about the process of creation and about the quality of creative works—the questions of Ferber, Hare, Raziotes, Lippold, Smith, Sterne, Hoffman, Riala, Lassaw, and Bourgeois. 

Five people, Pousette-Dart, Lipton, Tomlin, Newman, and Rrooks, have asked an identical question: a question of community— "what is it that binds us together (if there is something that binds us together)? Would you like me to read all the questions, either anonymously or signed?"

The artists unanimously agreed to have them read aloud by Motherwell attributed to the author of the question.

The following is the question proposed by Louise Bourgeois.

The Genesis of Work of Art; or in what circumstance is a work of art born:

1. Definition of the term "genesis"- process of creation. Is it the process of being born or the process of giving birth?

2. What causes the work of art to be born? What is the primary impulse? What makes the artist work? Is it toescape from depression (filling a void)? Is it to record confidence or pleasure? Is it to understand and solve a formal problem and reorder the world?

3. What conditions the birth and growth of the work of art?

  1. (a)  Before the act of creation:
    Sociological aspect (surroundings and milieu). Taine ato theory of the milieu.
    Personal aspect.

  2. (b)  During the process of creation:
    Experience undergone while the work is being done. Resistance of the medium.
    Properties of the medium.


    Louise Bourgeois, DESTRUCTION OF THE FATHER, RECONSTRUCTION OF THE FATHER. WRITINGS AND INTERVIEWS 1923-1997

a memória involuntária segundo Bourgeois

I need my memories. They are my documents. I keep watch over them. They are my privacy and I am intensely jealous of them. Cézanne said,"I am jealous of my little sensations." To reminisce and woolgather is negative. You have to differentiate between memories. Are you going to them or are they coming to you. If you are going to them, you are wasting time. Nostalgia is not productive. If they come to you, they are the seeds for sculpture.

[Louise Bourgeois]